Nossa! Então você come o quê?
Quem é vegetariano estrito já ouviu e ouvirá essa pergunta inúmeras vezes ainda. Nesse momento eu me pego pensando nas possíveis maneiras de responder: exibindo minha humilde bisnaguinha (bíceps, para os marombeiros de plantão); evidenciando meu biotipo bem nutrido; ou lembrando que existem centenas de alimentos no meu cardápio e todos isentos de ingredientes de origem animal. De fato, nenhuma dessas respostas se concretiza.
Nossos hábitos acabam nos limitando e nos condicionando a certos comportamentos alimentares, sociais e psicológicos sem que tenhamos plena consciência disso. Se não necessitamos de produtos de origem animal para sobreviver o consumo dos mesmos deixa de fazer parte da naturalidade e passa a ser uma questão de ordem social. Desde crianças somos condicionados a aceitar que o alimento essencial, aquele que vai te nutrir e sustentar teu corpo, é aquele pedaço de carne. Se o rebento se recusa a comer, vem logo a coação: coma a carne, pelo menos! Ninguém impõe ou sugere que uma criança sem muito apetite coma o brócolis, a couve-flor ou o feijão e deixe o restante no prato. Contraditório é o fato de que as mesmas pessoas que concordam que carne é essencial para o desenvolvimento das crianças, se recusam a informar de onde ela vem. Imagina contar que a Peppa Pig é o bacon ou a feijoada no seu pratinho! Que o Nemo está ali, naquele filezinho de peixe! Que o bezerrinho é a vitela tão tenra! Não se fala a verdade por uma razão: nosso instinto primário é proteger e amar os animais e não comê-los. Uma criança não brincaria com uma maçã e comeria um coelho, mas sim o contrário.
Lamentavelmente, a reprogramação a que somos submetidos durante anos nos cega, lança sobre nós um véu que mascara a sórdida realidade daquilo que chamamos de alimento no nosso prato. Daí porque muitas pessoas, ao tomarem conhecimento da minha opção vegetariana, logo exclamam: eu jamais conseguiria fazer isso! Ledo engano, todo mundo consegue, basta um pouco mais de força de vontade, informação, empatia com os animais e conhecimento mínimo de como montar sua própria refeição de forma mais equilibrada e nutritiva.
O desejo pelo consumo dos produtos de origem animal é caracterizado por um condicionamento social, presente na atual civilização. Salvo pouquíssimas exceções, motivadas por contextos políticos ou geográficos atípicos, nós não necessitamos de tais produtos para sobrevivência. Hoje me recordo de incontáveis vezes em que boquejei sentada à mesa, inconformada e desesperada, por faltar aquele nutriente (des)necessário no meu prato.
O panorama de uma refeição que não envolva algo de origem animal é aterrorizante, inimaginável e impossível para aqueles programados a enxergarem os animais como coisas, como alimento, como nutriente indispensável para a própria sobrevivência. Sair dessa zona de conforto exige, a princípio, muita coragem e paciência. Coragem para quebrar com padrões alimentares, sociais e emocionais preestabelecidos e paciência para não tratar os outros, que ainda se escondem sob o véu e não entendem ou aceitam a mudança, como você não gostaria de ser tratado.
Nossa! Então você come o quê? Prefiro sorrir e responder que como muito bem, não passo fome e nem vivo só de alface. Encerro o assunto porque lembro que, num passado não tão remoto, poderia ser eu a fazer o mesmo questionamento. Raríssimas pessoas absorveriam a resposta instrutiva e fatídica de que a alimentação vegetariana não é restritiva, muito pelo contrário, excluindo os alimentos de origem animal (leite, ovos, carnes e mel), industrializados e refinados, ainda sobram cerca de 320 alimentos que servem de insumo. Só de feijões são mais de 30 tipos, 40 tipos de cereais e 80 tipos de frutas, aproximadamente. Uma forma de alimentação ampliativa, na realidade. Ser vegetariano é ter no seu prato uma opção enorme de alimentos naturais e, consequentemente, mais nutrientes e vitaminas essenciais. É ter a certeza de que, apesar de todo conchavo contrário, você está fazendo o certo para si mesmo, para os animais e para o planeta. É saber que no seu prato não há dor, sofrimento ou morte. Essas são as motivações que fazem fortalecer a cada dia mais a minha convicção da escolha feita: ser vegetariana. E então, eu como o quê?
Escrito por Ellen Padoan
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